terça-feira, 1 de agosto de 2017

Brasil plural: para falar de intolerância

O Brasil é o país da diversidade: mais de 200 milhões de pessoas com etnias, crenças e opiniões diferentes conseguem viver em harmonia. Mas, será que é assim mesmo?
Infelizmente não bem assim que acontece. Nos últimos anos, nosso país teve um aumento nos números de crimes de intolerância. Segundo o dicionário Priberan, a palavra intolerância possui dois significados “falta de tolerância e violência”. Entre os significados da palavra “tolerância”, do mesmo dicionário, destaca-se a “boa disposição dos que ouvem com paciência opiniões opostas às suas”.
O que é uma prática de intolerância?
A prática de intolerância se manifesta através de uma ação do indivíduo ou de um grupo de pessoas, em que o agente não respeita a diferença de crença, opinião, orientação sexual, ou de qualquer outra natureza. Esta atitude pode se apresentar de várias maneiras: ofensa verbal, agressão física, preconceito ou discriminação. 

A intolerância em números*
A intolerância está presente em nossa sociedade e se manifesta de diversas maneiras, por meio de diferentes canais, atingindo vários grupos populacionais. Ela alimenta o ódio, o preconceito e a violência desmedida que, muitas vezes, resultam em mortes. A intolerância é, portanto, frontalmente contrária aos Direitos Humanos, que visam promover a dignidade humana, e tem por objetivo a proteção do indivíduo em caráter universal. Para que tenhamos uma breve ideia da dimensão do problema, apresentamos abaixo alguns dados relacionados a diferentes tipos de intolerância: religiosa, homofobia, racismo, contra as mulheres, tortura e por meio da internet.
·                      Religião
Segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a cada três dias, em média, há uma denúncia de intolerância religiosa. Entre 2011 e 2014, o Disque 100 – canal de denúncias de violações de direitos humanos – registrou 504 queixas desse tipo. Mas o governo reconhece que na prática, os casos de intolerância tendem a ser mais numerosos do que os denunciados.
·                      Homofobia
De acordo com o relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2014, foram documentados 326 assassinatos de gays, transgêneros e lésbicas, um aumento de 4,1 % em relação a 2013, quando foram registrados 313 assassinatos. Em um quadro mais abrangente, os números mostram que 50% dos assassinatos de transexuais e travestis registrados em todo o mundo aconteceram no Brasil. Só em janeiro de 2013 foram assassinados 42 LGBTs, uma média de uma morte a cada 18 horas.
·                      Racismo
De acordo com a Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), o número de denúncias de racismo dobrou nos últimos anos. Em 2011, a ouvidoria do órgão recebeu 219 denúncias. Em 2012, esse número pulou para 413 e, em 2013, chegou a 425, praticamente o dobro dos registros de 2011.
Segundo os dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, um trabalhador negro no Brasil ganha, em média, pouco mais da metade (57,4%) do rendimento recebido pelos trabalhadores de cor branca. Em termos numéricos, estamos falando de uma média salarial de R$ 1.374,79 para os trabalhadores negros, enquanto a média dos trabalhadores brancos ganham R$ 2.396,74.
·                      Mulheres
De 1996 a 2010 foram contabilizados 4,4 assassinatos a cada 100 mil mulheres, número que coloca o Brasil no 7º lugar no ranking de países nesse tipo de crime.
Em 2014, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 realizou 485.105 atendimentos (média de 40.425 atendimentos ao mês e 1.348 ao dia). Desde a criação do serviço em 2005, foram mais de 4 milhões de atendimentos. Em comparação a 2013, o serviço registrou um aumento de 50% nas ocorrências denunciadas de cárcere privado, média de 2,5 registros/dia.
Os estupros denunciados tiveram um aumento de 18%, média de três denúncias/dia. A violência sexual (estupros, assédios e exploração sexual) cresceu 20% em 2014, uma média de quatro registros/dia. A grande maioria das mulheres relata violências praticadas por homens (companheiros, cônjuges, namorados, amantes) com os quais mantêm ou mantiveram algum vínculo afetivo (82,53%). As denúncias restantes estão relacionadas a relações familiares (11,20%), relações externas (5,93%) e homoafetivas (0,34%).
·                      Tortura
Trinta anos depois que o Brasil e outros 154 países assinaram a Convenção Internacional Contra Tortura da ONU e 18 anos após a edição da Lei 9455/97, que tipificou o crime de tortura no país, dados da Anistia Internacional apontam que a grande maioria dos brasileiros ainda teme por sua segurança ao serem detidos por autoridades. Trata-se do maior índice dentre os 21 países analisados no estudo e quase o dobro da média mundial, de 44%.
Entre 2011 e 2013, o número de denúncias dos atos cometidos por agentes do governo no país cresceu 129%. Foram relatados 816 casos por meio do Disque 100, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, envolvendo 1.162 agentes do Estado. Já estudo da Human Rights Watch identificou no Brasil 64 casos com fortes indícios de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante entre 2010 e 2014.
·                      Internet
Segundo dados da ONG Safernet, entre 2010 e 2013, aumentou 203% o número de páginas (URLs) denunciadas à ONG por divulgar conteúdos neonazistas, xenófobos, homofóbicos, de intolerância racial ou religiosa, ou por fazer apologia e incitação a crimes contra a vida. Em 2010, os internautas identificaram e denunciaram 6.990 destas páginas. Em 2013, foram 21.205, das quais 11.004 estavam no Facebook, a rede social mais usada pelos brasileiros.
Se considerado apenas o Facebook, houve um aumento de 265% no número de perfis com mensagens violentas. Em 2011, os internautas identificaram e denunciaram 3.011 páginas com este tipo de conteúdo. Em 2013, foram 11.004. Mensagens racistas predominam entre as denúncias, com 6.811 páginas identificadas no Facebook, seguidas por apologia e incitação a crimes contra as pessoas (2.398), como assassinatos, tortura, suicídio e linchamentos.
Uma pesquisa com usuários de internet com idade entre 9 e 23 anos, entre 2012 e 2013, mostrou que 61% deles se comportam nas redes de forma diferente, 34% se sentem mais livres e 10% acham normal “zoar e xingar”.
*fonte: http://www.mobilizadores.org.br/noticias/a-intolerancia-em-numeros/

Como superar a intolerância?
O Relativismo Cultural, que é a forma de encarar a diversidade sem impor valores e normas alheios, é um importante passo nesse sentido. De acordo com o Antropólogo americano Clifford Geertz:

“ Um dos fatos mais significativos a nosso respeito [os humanos] pode ser, finalmente, que todos nós começamos com o equipamento natural para viver milhares de vidas, mas terminamos por viver apenas uma. ”

Com efeito, entender e respeitar a diversidade cultural é essencial para a convivência harmônica da sociedade. Mas, o relativismo cultural possui um limite, que é o respeito aos direitos humanos. Esta restrição é extremante importante, já que em algumas culturas a intolerância é valor central de suas crenças. Um exemplo disso é a Jihad islâmica, que tem como objetivo a criação de um Estado palestino islâmico e a destruição de Israel por meio de uma guerra santa. Nesse sentido, para combater a intolerância em alguns momentos o Estado terá que usar a força para manter a paz e o respeito aos direitos humanos.

Portanto, para superar o problema da intolerância é necessário que cada indivíduo tenha a consciência de que o ser humano tem a capacidade natural de se organizar e viver de diversas formas diferentes, por isso o respeito a liberdade do outro, dentro do limite dos direitos humanos fundamentais, é um valor central para a harmonia social.