Explicitada no
contexto dramático do pós-guerra, quando se indagou como teria sido possível ao
ser humano produzir a barbárie do Holocausto e o horror de Nagasaki e
Hiroshima, a Declaração Universal dos Direitos Humanos surgiu como a ponte
entre o medo e a esperança. Essa ponte, apenas projetada ali, seria preciso ser
construída.
Os direitos
humanos assumiram, gradativamente, a importância de tema global. Assim como a
preservação do meio ambiente, os Direitos Humanos colocam-se como assunto de
interesse de toda a humanidade. Se o planeta está ameaçado por políticas de
desenvolvimento predatórias, da mesma maneira a miséria e a intolerância em
seus diversos matizes promovem no final do século a morte pela fome, a
marginalidade extrema, migrações em massa, desequilíbrios internos e, no
limite, guerras entre grupos humanos que outrora conviveram em suposta
harmonia. A violência em que pode resultar a disputa étnica, religiosa e
social, quando a intolerância e o desequilíbrio são levados ao extremo,
expressa-se em números: sabe-se que 80% das guerras que ocorrem hoje derivam da
intolerância étnica e religiosa em conflitos internos.
A ONU, preocupada com a conquista da paz
mundial, promoveu conferências que buscavam um programa de consenso que
orientasse os países e os indivíduos quanto à questão dos direitos humanos. A
Conferência de Viena de 1993, de cuja declaração o Brasil é signatário,
reafirmou a universalidade dos direitos humanos e apresentou as condições
necessárias para os Estados promoverem, controlarem e garantirem tais direitos.
Sabia-se naquele momento que o tratamento adequado do tema da pluralidade
etnocultural era condição para a democracia e fator primordial do equilíbrio
social e internacional. Firma-se nesse contexto a responsabilidade do Estado na
proteção e promoção das identidades étnicas, culturais, lingüísticas e
religiosas.
A Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988 é uma das mais avançadas quanto aos
temas do respeito à diferença e do combate à discriminação. O Brasil teve, por
outro lado, participação ativa nas reuniões mundiais sobre os direitos humanos
e sobre minorias. Aqui não se trata, é claro, de exigir conhecimentos próprios
do especialista em Direito, mas de saber como se define basicamente a
cidadania.
Vale lembrar
que dispositivos presentes na Seção “Da Educação”, da Constituição Federal,
referentes às comunidades indígenas, também asseguram “a utilização de suas
línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” (art. 210, § 2º),
consolidando o reconhecimento de exigências historicamente apresentadas em
trabalhos desenvolvidos pelos povos indígenas, em cooperação notadamente com a
sociedade civil.
Alguns
aspectos pedagógicos decorrem desse dispositivo. O estabelecimento de escolas
indígenas, com proposta pedagógica, organização administrativa e didática
próprias, atende a uma exigência constitucional, traz enriquecimento pedagógico
e introduz exigências adicionais na estruturação do sistema nacional de
educação.
O ensino
religioso nas escolas públicas é assunto que exige atenção. Tema vinculado, em
termos de direito, à liberdade de consciência e de crença, a presença plural
das religiões no Brasil constitui-se fator de possibilidade de escolha. Ao indivíduo
é dado o direito de ter religião, quando criança, por decisão de seus pais, ou,
quando adulto, por escolha pessoal; de mudar de religião, por determinação
voluntária ao longo da vida, sem restrições de ordem civil; e de não ter
religião, como opção consciente. O que caracteriza, portanto, a inserção social
do cidadão, desse ponto de vista, é o respeito, a abertura e a liberdade.
De fato, a
configuração laica do Estado é propiciadora dessa pluralidade, no plano social,
e se caracteriza por ser impeditiva de rótulos, no plano do cidadão. Ou seja,
não há uma predeterminação que vincule compulsoriamente etnias e religiões,
origem de nascimento e percursos de vida.
É nesse sentido que se define a postura laica
da escola pública como imperativo no cumprimento do dever do Estado referente
ao estabelecimento pleno de uma educação democrática, voltada para o
aprimoramento e a consolidação de liberdades e direitos fundamentais da pessoa
humana.
Não se trata,
é claro, de mostrar um Brasil perfeito e irreal, mas as possibilidades que se
abrem com trabalho, embates e entendimentos, mediante a colocação em prática de
instrumentos jurídicos já disponíveis.
Fonte: Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais : pluralidade cultural, orientação sexual / Secretaria
de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1997.